UMA HISTORIA MUITO INTERESSANTE
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UMA HISTORIA MUITO INTERESSANTE
Isto é um relato de uma pequena aventura minha , uma pequena “conversa” que tive há uns dias atrás com um dos meus “fieis companheiros” de 4 rodas. Eu e o meu Peugeot 205 Rallye .
Saio do trabalho ja tarde , chego a casa como algo e vou-me deitar , na cama dou voltas e voltas até dormir , as mágoas que a vida nos apresenta , as dificuldades que realmente não o são fazem-nos isto de vez em quando . Decido que preciso de desabafar , mas não com uma pessoa , tenho de desabafar a fazer algo . Enfim , vencido pelo cansaço deixo-me levar pelo sono .
Acordo novamente , o relogio mostra-me a hora cruelmente , são 3 da manhã , e não tenho vontade de dormir , a ansiedade invade-me da cabeça aos pés , não consigo estar , não consigo paz . Penso no que me está a afectar de momento , penso no dilema que se apresentou á minha frente , penso penso penso e não chego a conclusão nenhuma .
Em boxers e chinelos , vou até á garagem , acendo a luz e vejo no fundo da garagem aquela silhueta baixa , mais baixa do que qualquer outro meu “parceiro” que lá guardo .
Lembro-me do tão afamado slogan publicitário na epoca onde este carro era vendido novo : “É branco mas é demoniaco” . É com este demoniozinho que eu hoje vou “endireitar” as mágoas . A luz fluorescente do tecto da garagem , ainda tremula por estar há pouco tempo a funcionar , reflecte-se impiedosamente na tinta branca que já não tem o seu brilho dos seus dias de gloria . Olho pra ele , e sei que ele terá muitas historias para contar , mas hoje sou eu que lhe vou “contar” a minha .
De chave em punho , abro a porta e deixo-me escorregar para o seu interior , o odor que paira lá dentro traz-me á memória os momentos que já passei ao seu volante , a alcatifa vermelha acerra-me a vontade , aguça-me o espirito . Insiro a chave na ignição , rodo até se acender a luz de “STOP” no centro do painel de instrumentos , até se acender a luz avisadora da pressão do óleo , até se acender a luz da temperatura de água , fico á espera de ver o ligeiro “flicar” das agulhas . Levo o acelerador a fundo uma vez e rodo a chave . O motor de arranque pujantemente faz rodar o pequeno TU24 que ele mesmo já tem longas horas de “serviço” , mas sempre prestável , mesmo embebedado pelos grandes e impiedosos Weber , acorda para a vida , vocalizando-se pelo escape e pelo gargarejar incessante dos 4 tractos de admissão . O ar assobia ligeiramente ao passar por cada uma das 4 borboletas , ouço os gliceurs a fazerem o seu papel de dosearem o ar que por eles passa com o nectar do prazer sobre 4 rodas , a gasolina .
O ar ele mesmo , o ar da garagem fica perfumado com o cheiro de gasolina mal queimada , sustento o ralenti por alguns segundos com o acelerador , depois relaxo a minha pressão sobre ele , e o pequeno TU24 fica a rodar fluctuante em torno das 1100 a 900 rpm’s . Volto ao interior da casa , deito-me na horizontal , relaxo e imagino uma lente no meio da minha testa , por essa lente espreito para dentro da minha cabeça , por essa lente tenho acesso a uma pequena sala , bem no meio da minha cabeça , a sala onde guardo o que me é mais querido , mas que tantas vezes poluo com o que é impuro , com o que me afecta . Mentalmente transporto-me até essa sala , nessa sala vejo lixo , o lixo que tenho de meter na rua , o lixo de emoções , de sofrimento e de mágoas que tenho colectado ao longo dos tempos , é altura de fazer uma limpeza . Mentalmente limpo essa sala , e lá deixo guardado o que me é mais querido e especialmente ...guardo simbolicamente quem me é mais querido , daqui , desta sala não fogem , estarão sempre presentes . Abro os olhos , visto algo , calço algo , o que me sinto mais confortavel com, agarro na carteira e no telemovel e ... desligo novamente o telemovel , não , levarei só o que realmente interessa .
Caminho lentamente até á garagem , a aproveitar o ar da noite fresca no meio de dias torrados pelo calor da época . O 205 lá está impaciente para ouvir a minha historia , a ronronar mais regularmente ao ralenti , o ar da garagem está carregado de cheiro a combustão de gasolina ar , com o ligeiro perfume de óleo ... mentalmente anoto que tenho de tratar do seu pequeno problema de passar óleo pelas guias das valvulas , mas agora esqueço , isso não interessa , não faz mal , não prejudica em nada o que eu estou prestes a fazer , não vou correr contra ninguém , nem contra o tempo em si , vou correr pelo prazer de .
Desocupo o acesso á saida da garagem , bloqueado por um outro companheiro , este bem mais experiente , mais idoso , a esse faço um despertar rápido ao seu 4 cilindros inclinado a 30 graus , e desocupo o acesso do 205 ao mundo exterior . A bordo do 205 , acaricio o volante tulipado , jogo a mão á manete negra decorada com a grelha de velocidades a vermelho , aqui tudo é branco , preto ou vermelho . Engato a marcha atrás e saio da garagem , e ultimamente saio para a estrada , a principio estou mal , o que me aflige , o que me faz sentir mal com conhecimento que não preciso de me sentir mal sobre iso mesmo , isso passa-me novamente pela cabeça , ao mesmo tempo que sou sacudido no interior do 205 pelos solavancos causados pela parelha de Webers Duplos que teimam em embebedar o pequeno e vanglorioso TU24 com os seus intentos , trata-se de uma conversa entre 2 italianos e um francês , e tipicamente o francês romantico encolhe os ombros perante a impestuosidade italiana . De um golpe levo o acelerador a fundo , o pequeno 205 hesita durante alguns instantes , sacode-se e dispara rumo ao horizonte iluminado pela lua e pelos seus 2 farois .
Tomo rumo a uma bomba de gasolina , para abastecer a fome do 205 e a minha propria fome . Depois de um ligeiro repasto , dedico-me a lavar o 205 do pó que o cobriu no interior da garagem , a seguir tiro-lhe a pressão dos pneus , corrijo , jogo-me de volta para o seu interior e sigo viagem rumo ao Troço .
Passo pelas ruas pacatas , desertas de uma cidade que me separa entre o ponto onde eu estou o o Troço , o troço onde tantas e tantas vezes já passei , onde tantas converas com outros parceiros de 4 rodas já tive , onde passei com os mais variados estados de espirito e com as mais variadas companhias Humanas , muitas delas sendo as companhias habituais , hoje não , hoje vou para lá com um estado de espirito com que nunca passei por lá , sem companhias humanas , só eu e o meu 205 Rallye , mais nada .
Ao passar por uma rua com montras de vidro , deito um olhar para o lado e vejo reflectida a imagem deste vosso sincero , sentado dentro deste “branco demoniaco” a caminho de um desabafo , um desabafo que espero ser sucedido de uma acalmia . Aproveito para sentir o roncar profundo do TU24 e dos Webers de “goela aberta” , levo o acelerador a fundo e escuto , escuto aquela subida de rotação que parece imparavel , que se detem somente quando a agulha do “conta-prazeres” se estaciona nas 7300 rpm . O assobio forte e caracteristico de um TU24 alimentado a parelhas de duplos surge como sempre a partir das 5000 rpm , e o prazer é interrompido pelo corte de ignição mecanico nas tais 7300 revoluções de cambota . Passo uma acima e levanto pé , a pensar que a “nossa” impestuosidade vai ser guardada para o troço.
Finalmente deparo-me com a recta que me leva ao troço , ao troço que tal como a vida é cheio de curvas , subidas e descidas , pontes para “o outro lado” , ladeada de paisagem que agora não consigo ver mais que silhuetas cinzentas no meio da noite , já chega de passeio , vamos começar a desabafar? Vamos nessa .
Baixo para 2ª e esmago o acelerador como se uma coisa má se tratasse , escuto o tal assobio a aparecer .. jogo a mão á manete e passo raivosamente para 3ª velocidade e volto a esmagar o acelerador , que raiva , QUE RAIVA . A seguir , do mesmo modo passo para 4ª e 5ª velocidades , e começo a ouvir cada vez mais o beijo do vento na chapa muito pouco insonorizada que perfaz o corpo deste “branco demoniaco” , - Hoje vou lá com fé – penso eu para mim mesmo . Aparece iluminada pelos farois a 1ª curva , levo pé ao travão , ao mesmo tempo que com a lateral acaricio o acelerador a anteceder cada levantar de pé do pedal de embraiagem , que esse mesmo levantar é precedido de uma redução de caixa . De 5ª passo a 4ª e desta fico-me pela 3ª , entro mal na curva , fiz a minha travagem demasiado cedo e tenho de dar gás suavemente á espera do apex , para finalmente deixar para trás o mal feito , o mal feito nesta curva e noutras “curvas” e “viragens” desta vida . Não me lamento , nem da curva nem da vida , aliás , começo a ficar mais contente , começo a sentir os musculos da cara a tremelicarem para arregaçar um sorriso nesta face . Impiedosamente volto a subir o ritmo , e decidido a não ter medos , nem aqui no Troço nem na vida , decidido e firme , levo ás ultimas a travagem para a curva seguinte , levo-a tão ás ultimas que tenho de saltar uma mudança em redução , pois não há tempo para fazer uma decalagem progressiva , aperto os dedos á volta do aro do volante e dou-lhe o golpe certeiro ao mesmo tempo que ainda esmago o pedal de travão , a traseira mostra sinais de vida , o TU24 solta um berro estridente , o 205 roda sobre ele mesmo , ele mesmo me aponta a mim para a curva . Excelente , estamos a falar os 2 finalmente , afago o acelerador para travar a vontade da traseira em desconversar com o resto do carro , a seguir apercebo-me que não vale a pena , que ela sabe o que faz , tenho de somente me preocupar onde meto a frente , e dar largas á traseira tal como devo dar largas á imaginação . Na curva seguinte , e na outra e na outra, tudo deixa de parecer tão violento para começar a ser mais fluido , os antebraços começam a sentir um calor agradavel pela acção sobre o volante , os travões tornam-se mais progresivos na sua “mordedura” , a caixa fica mais suave pelo aumento de temperatura do seu liquido vital , o TU24 já não hesita , já canta de garganta limpa e já pede mais e mais aos seus primos Weber . Estes sempre no topo da situação , sempre os protagonistas do “branco demoniaco” produzem os sons mais belos , os assobios mais sublimes tanto de acelerador esmagado como nos curtos levantar de pé . A suspensão transmite-me fielmente o que se passa debaixo das pequenas e valentes rodas com jante de 13 , o estofo do “branco demoniaco” começa a vir ao de cima, quantas mais curvas , quanto mais eu e ele estamos dipostos a engoli-las de 2 tragos , travagem-apontar , saida-abrir . Curtos-longos minutos me embrenham naquele exercicio , tudo o resto deixa de ter importancia , não penso em nada , estou totalmente embrenhado naquele gozo . Longos-Curtos kilometros passam debaixo destas 4 rodas que tudo me dizem , o que estão a fazer , para onde querem ir . Finalmente começo a sentir a traseira a sair fora mais e mais por acção da travagem , os travões dianteiros começam a perder eficácia do trabalho monstruoso que lhes tenho vindo a pedir para fazer , aquecem demais e deixam a maior parte do trabalho para os seus irmãos que “apertam” as rodas traseiras . As entradas em curva começam a parecer um autentico rodedo de travão de mão , mas eu não me preocupo , já vesti este casaco e sei que me serve , continuo inabalável , a entrar nas curvas já em contrabrecagem , este chassis não me atraiçoa , e sei que prontamente esmagando o acelerador o pequeno 205 “levanta as saias” e se aponta para onde está virado , endireita-se e toma o seu rumo .
Finalmente começo a tocar seriamente nos limites fisicos de mim e do meu parceiro , aqui somos só um , e o que é limite para ele é meu limite , acaricio os limites por largos minutos , tenho o prazer de aguentar este nirvana durante algum tempo , sei que não me posso empenhar mais , sei que ele mais não pode fazer ou pedir .
Decido tomar um rumo diferente que me começe a levar de volta em direcção a casa , um breve olhar para o relogio de pulso anuncia-me que já se faz tarde , mas eu nem me preocupo , alivio-me com o facto de estar a voltar , e prossigo com a minha violentação de borracha e de pastilhas de travão .
Por fim , baixo os braços , começo a reconhecer novamente a paisagem que me envolve , e sei que começo a xegar ao fim desta minha conversa , começo a anunciar a partida para o resto da minha vida . Com saudades antes da partida , não tiro a faca dos dentes , e continuo por mais alguns instantes a “curtir” as curvas que a estrada me presenteia .
Finalmente alivio pé , ao rodar mais lentamente aprecebo-me do embater no interior das cavas das rodas de todas as mais pequenas pedrinhas que estão depositadas no alcatrão , essas pedrinhas são apanhadas pela borracha quente dos pneus e lançadas contra o interior muito despido das cavas das rodas , o xeiro inconfundivel de “esmifra” invade o habitáculo . Aproveito para fazer uma paragem para esticar os musculos , e aprecio de fora o meu parceiro deste desabafo , as jantes brancas estão fortemente enfeitadas dos restos mortais das pastilhas de travão , os travões eles mesmos respiram um bafo quente para a atmosfera da noite , o escape solta os mais sublimes estalidos , acompanhados pelo embrulhar de pequenas detonações , resultados da conversa que ali se vai desenrolando entre um francês e dois italianos . Retomo o rumo a casa , e decido apanhar uma via rapida para com o pretexto de “limpar a garganta” ao TU24 , aproveitar mais alguns momentos ao volante do meu parceiro sem me preocupar muito com as condições que nos rodeiam .
Chego a casa , levo o “branco e demoniaco” de volta para a sua “toca” , enchendo novamente a garagem de um bafo quente , abro a porta , ouço as ultimas “palavras” dele para ver se tudo está bem , rodo a chave de volta uma posição , e a Luz de Stop volta a acender-se .
Saio da garagem , volto á cama e durmo profundamente , mais nada me preocupa , não hoje , o mundo hoje teve de esperar , e vai esperar até ao despertar no dia seguinte .
Post original em http://p082.ezboard.com/fforumtuningptfrm20.showMessage?topicID=164.topic
Saio do trabalho ja tarde , chego a casa como algo e vou-me deitar , na cama dou voltas e voltas até dormir , as mágoas que a vida nos apresenta , as dificuldades que realmente não o são fazem-nos isto de vez em quando . Decido que preciso de desabafar , mas não com uma pessoa , tenho de desabafar a fazer algo . Enfim , vencido pelo cansaço deixo-me levar pelo sono .
Acordo novamente , o relogio mostra-me a hora cruelmente , são 3 da manhã , e não tenho vontade de dormir , a ansiedade invade-me da cabeça aos pés , não consigo estar , não consigo paz . Penso no que me está a afectar de momento , penso no dilema que se apresentou á minha frente , penso penso penso e não chego a conclusão nenhuma .
Em boxers e chinelos , vou até á garagem , acendo a luz e vejo no fundo da garagem aquela silhueta baixa , mais baixa do que qualquer outro meu “parceiro” que lá guardo .
Lembro-me do tão afamado slogan publicitário na epoca onde este carro era vendido novo : “É branco mas é demoniaco” . É com este demoniozinho que eu hoje vou “endireitar” as mágoas . A luz fluorescente do tecto da garagem , ainda tremula por estar há pouco tempo a funcionar , reflecte-se impiedosamente na tinta branca que já não tem o seu brilho dos seus dias de gloria . Olho pra ele , e sei que ele terá muitas historias para contar , mas hoje sou eu que lhe vou “contar” a minha .
De chave em punho , abro a porta e deixo-me escorregar para o seu interior , o odor que paira lá dentro traz-me á memória os momentos que já passei ao seu volante , a alcatifa vermelha acerra-me a vontade , aguça-me o espirito . Insiro a chave na ignição , rodo até se acender a luz de “STOP” no centro do painel de instrumentos , até se acender a luz avisadora da pressão do óleo , até se acender a luz da temperatura de água , fico á espera de ver o ligeiro “flicar” das agulhas . Levo o acelerador a fundo uma vez e rodo a chave . O motor de arranque pujantemente faz rodar o pequeno TU24 que ele mesmo já tem longas horas de “serviço” , mas sempre prestável , mesmo embebedado pelos grandes e impiedosos Weber , acorda para a vida , vocalizando-se pelo escape e pelo gargarejar incessante dos 4 tractos de admissão . O ar assobia ligeiramente ao passar por cada uma das 4 borboletas , ouço os gliceurs a fazerem o seu papel de dosearem o ar que por eles passa com o nectar do prazer sobre 4 rodas , a gasolina .
O ar ele mesmo , o ar da garagem fica perfumado com o cheiro de gasolina mal queimada , sustento o ralenti por alguns segundos com o acelerador , depois relaxo a minha pressão sobre ele , e o pequeno TU24 fica a rodar fluctuante em torno das 1100 a 900 rpm’s . Volto ao interior da casa , deito-me na horizontal , relaxo e imagino uma lente no meio da minha testa , por essa lente espreito para dentro da minha cabeça , por essa lente tenho acesso a uma pequena sala , bem no meio da minha cabeça , a sala onde guardo o que me é mais querido , mas que tantas vezes poluo com o que é impuro , com o que me afecta . Mentalmente transporto-me até essa sala , nessa sala vejo lixo , o lixo que tenho de meter na rua , o lixo de emoções , de sofrimento e de mágoas que tenho colectado ao longo dos tempos , é altura de fazer uma limpeza . Mentalmente limpo essa sala , e lá deixo guardado o que me é mais querido e especialmente ...guardo simbolicamente quem me é mais querido , daqui , desta sala não fogem , estarão sempre presentes . Abro os olhos , visto algo , calço algo , o que me sinto mais confortavel com, agarro na carteira e no telemovel e ... desligo novamente o telemovel , não , levarei só o que realmente interessa .
Caminho lentamente até á garagem , a aproveitar o ar da noite fresca no meio de dias torrados pelo calor da época . O 205 lá está impaciente para ouvir a minha historia , a ronronar mais regularmente ao ralenti , o ar da garagem está carregado de cheiro a combustão de gasolina ar , com o ligeiro perfume de óleo ... mentalmente anoto que tenho de tratar do seu pequeno problema de passar óleo pelas guias das valvulas , mas agora esqueço , isso não interessa , não faz mal , não prejudica em nada o que eu estou prestes a fazer , não vou correr contra ninguém , nem contra o tempo em si , vou correr pelo prazer de .
Desocupo o acesso á saida da garagem , bloqueado por um outro companheiro , este bem mais experiente , mais idoso , a esse faço um despertar rápido ao seu 4 cilindros inclinado a 30 graus , e desocupo o acesso do 205 ao mundo exterior . A bordo do 205 , acaricio o volante tulipado , jogo a mão á manete negra decorada com a grelha de velocidades a vermelho , aqui tudo é branco , preto ou vermelho . Engato a marcha atrás e saio da garagem , e ultimamente saio para a estrada , a principio estou mal , o que me aflige , o que me faz sentir mal com conhecimento que não preciso de me sentir mal sobre iso mesmo , isso passa-me novamente pela cabeça , ao mesmo tempo que sou sacudido no interior do 205 pelos solavancos causados pela parelha de Webers Duplos que teimam em embebedar o pequeno e vanglorioso TU24 com os seus intentos , trata-se de uma conversa entre 2 italianos e um francês , e tipicamente o francês romantico encolhe os ombros perante a impestuosidade italiana . De um golpe levo o acelerador a fundo , o pequeno 205 hesita durante alguns instantes , sacode-se e dispara rumo ao horizonte iluminado pela lua e pelos seus 2 farois .
Tomo rumo a uma bomba de gasolina , para abastecer a fome do 205 e a minha propria fome . Depois de um ligeiro repasto , dedico-me a lavar o 205 do pó que o cobriu no interior da garagem , a seguir tiro-lhe a pressão dos pneus , corrijo , jogo-me de volta para o seu interior e sigo viagem rumo ao Troço .
Passo pelas ruas pacatas , desertas de uma cidade que me separa entre o ponto onde eu estou o o Troço , o troço onde tantas e tantas vezes já passei , onde tantas converas com outros parceiros de 4 rodas já tive , onde passei com os mais variados estados de espirito e com as mais variadas companhias Humanas , muitas delas sendo as companhias habituais , hoje não , hoje vou para lá com um estado de espirito com que nunca passei por lá , sem companhias humanas , só eu e o meu 205 Rallye , mais nada .
Ao passar por uma rua com montras de vidro , deito um olhar para o lado e vejo reflectida a imagem deste vosso sincero , sentado dentro deste “branco demoniaco” a caminho de um desabafo , um desabafo que espero ser sucedido de uma acalmia . Aproveito para sentir o roncar profundo do TU24 e dos Webers de “goela aberta” , levo o acelerador a fundo e escuto , escuto aquela subida de rotação que parece imparavel , que se detem somente quando a agulha do “conta-prazeres” se estaciona nas 7300 rpm . O assobio forte e caracteristico de um TU24 alimentado a parelhas de duplos surge como sempre a partir das 5000 rpm , e o prazer é interrompido pelo corte de ignição mecanico nas tais 7300 revoluções de cambota . Passo uma acima e levanto pé , a pensar que a “nossa” impestuosidade vai ser guardada para o troço.
Finalmente deparo-me com a recta que me leva ao troço , ao troço que tal como a vida é cheio de curvas , subidas e descidas , pontes para “o outro lado” , ladeada de paisagem que agora não consigo ver mais que silhuetas cinzentas no meio da noite , já chega de passeio , vamos começar a desabafar? Vamos nessa .
Baixo para 2ª e esmago o acelerador como se uma coisa má se tratasse , escuto o tal assobio a aparecer .. jogo a mão á manete e passo raivosamente para 3ª velocidade e volto a esmagar o acelerador , que raiva , QUE RAIVA . A seguir , do mesmo modo passo para 4ª e 5ª velocidades , e começo a ouvir cada vez mais o beijo do vento na chapa muito pouco insonorizada que perfaz o corpo deste “branco demoniaco” , - Hoje vou lá com fé – penso eu para mim mesmo . Aparece iluminada pelos farois a 1ª curva , levo pé ao travão , ao mesmo tempo que com a lateral acaricio o acelerador a anteceder cada levantar de pé do pedal de embraiagem , que esse mesmo levantar é precedido de uma redução de caixa . De 5ª passo a 4ª e desta fico-me pela 3ª , entro mal na curva , fiz a minha travagem demasiado cedo e tenho de dar gás suavemente á espera do apex , para finalmente deixar para trás o mal feito , o mal feito nesta curva e noutras “curvas” e “viragens” desta vida . Não me lamento , nem da curva nem da vida , aliás , começo a ficar mais contente , começo a sentir os musculos da cara a tremelicarem para arregaçar um sorriso nesta face . Impiedosamente volto a subir o ritmo , e decidido a não ter medos , nem aqui no Troço nem na vida , decidido e firme , levo ás ultimas a travagem para a curva seguinte , levo-a tão ás ultimas que tenho de saltar uma mudança em redução , pois não há tempo para fazer uma decalagem progressiva , aperto os dedos á volta do aro do volante e dou-lhe o golpe certeiro ao mesmo tempo que ainda esmago o pedal de travão , a traseira mostra sinais de vida , o TU24 solta um berro estridente , o 205 roda sobre ele mesmo , ele mesmo me aponta a mim para a curva . Excelente , estamos a falar os 2 finalmente , afago o acelerador para travar a vontade da traseira em desconversar com o resto do carro , a seguir apercebo-me que não vale a pena , que ela sabe o que faz , tenho de somente me preocupar onde meto a frente , e dar largas á traseira tal como devo dar largas á imaginação . Na curva seguinte , e na outra e na outra, tudo deixa de parecer tão violento para começar a ser mais fluido , os antebraços começam a sentir um calor agradavel pela acção sobre o volante , os travões tornam-se mais progresivos na sua “mordedura” , a caixa fica mais suave pelo aumento de temperatura do seu liquido vital , o TU24 já não hesita , já canta de garganta limpa e já pede mais e mais aos seus primos Weber . Estes sempre no topo da situação , sempre os protagonistas do “branco demoniaco” produzem os sons mais belos , os assobios mais sublimes tanto de acelerador esmagado como nos curtos levantar de pé . A suspensão transmite-me fielmente o que se passa debaixo das pequenas e valentes rodas com jante de 13 , o estofo do “branco demoniaco” começa a vir ao de cima, quantas mais curvas , quanto mais eu e ele estamos dipostos a engoli-las de 2 tragos , travagem-apontar , saida-abrir . Curtos-longos minutos me embrenham naquele exercicio , tudo o resto deixa de ter importancia , não penso em nada , estou totalmente embrenhado naquele gozo . Longos-Curtos kilometros passam debaixo destas 4 rodas que tudo me dizem , o que estão a fazer , para onde querem ir . Finalmente começo a sentir a traseira a sair fora mais e mais por acção da travagem , os travões dianteiros começam a perder eficácia do trabalho monstruoso que lhes tenho vindo a pedir para fazer , aquecem demais e deixam a maior parte do trabalho para os seus irmãos que “apertam” as rodas traseiras . As entradas em curva começam a parecer um autentico rodedo de travão de mão , mas eu não me preocupo , já vesti este casaco e sei que me serve , continuo inabalável , a entrar nas curvas já em contrabrecagem , este chassis não me atraiçoa , e sei que prontamente esmagando o acelerador o pequeno 205 “levanta as saias” e se aponta para onde está virado , endireita-se e toma o seu rumo .
Finalmente começo a tocar seriamente nos limites fisicos de mim e do meu parceiro , aqui somos só um , e o que é limite para ele é meu limite , acaricio os limites por largos minutos , tenho o prazer de aguentar este nirvana durante algum tempo , sei que não me posso empenhar mais , sei que ele mais não pode fazer ou pedir .
Decido tomar um rumo diferente que me começe a levar de volta em direcção a casa , um breve olhar para o relogio de pulso anuncia-me que já se faz tarde , mas eu nem me preocupo , alivio-me com o facto de estar a voltar , e prossigo com a minha violentação de borracha e de pastilhas de travão .
Por fim , baixo os braços , começo a reconhecer novamente a paisagem que me envolve , e sei que começo a xegar ao fim desta minha conversa , começo a anunciar a partida para o resto da minha vida . Com saudades antes da partida , não tiro a faca dos dentes , e continuo por mais alguns instantes a “curtir” as curvas que a estrada me presenteia .
Finalmente alivio pé , ao rodar mais lentamente aprecebo-me do embater no interior das cavas das rodas de todas as mais pequenas pedrinhas que estão depositadas no alcatrão , essas pedrinhas são apanhadas pela borracha quente dos pneus e lançadas contra o interior muito despido das cavas das rodas , o xeiro inconfundivel de “esmifra” invade o habitáculo . Aproveito para fazer uma paragem para esticar os musculos , e aprecio de fora o meu parceiro deste desabafo , as jantes brancas estão fortemente enfeitadas dos restos mortais das pastilhas de travão , os travões eles mesmos respiram um bafo quente para a atmosfera da noite , o escape solta os mais sublimes estalidos , acompanhados pelo embrulhar de pequenas detonações , resultados da conversa que ali se vai desenrolando entre um francês e dois italianos . Retomo o rumo a casa , e decido apanhar uma via rapida para com o pretexto de “limpar a garganta” ao TU24 , aproveitar mais alguns momentos ao volante do meu parceiro sem me preocupar muito com as condições que nos rodeiam .
Chego a casa , levo o “branco e demoniaco” de volta para a sua “toca” , enchendo novamente a garagem de um bafo quente , abro a porta , ouço as ultimas “palavras” dele para ver se tudo está bem , rodo a chave de volta uma posição , e a Luz de Stop volta a acender-se .
Saio da garagem , volto á cama e durmo profundamente , mais nada me preocupa , não hoje , o mundo hoje teve de esperar , e vai esperar até ao despertar no dia seguinte .
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